13 – Imortalidade? Não dou um centavo por ela. Vamos permanecer mortais, como deve ser.
Apesar de ter a admiração de milhões de leitores de todo o mundo, Hermann Hesse jamais sentiu o desejo de ser um mito. Ao contrário, ele se dedicava ao seu jardim, às suas aquarelas e aos seus leitores com a simplicidade e a paciência de um monge zen.
De fato, a sua escassa – na verdade, quase nula – atividade literária nas últimas décadas de sua vida se deveu ao compromisso que assumiu consigo mesmo de não deixar uma só carta de seus admiradores sem resposta.
Calcula-se que chegou a responder cerca de 30 mil mensagens, como esta a um jovem de Solingen que desejava iniciar a carreira literária e lhe pedia conselhos:
“Não estou em condições de assegurar-lhe se será um escritor. Não há escritores de 17 anos. Se possui o dom, o terá por natureza e ele já está enraizado em você desde pequeno. Mas se desse dom surgirá algo, se terá algo a dizer ou exprimir, isso não depende só de seu dom; depende de saber se você pode levar a sério a si mesmo e a vida, se vive com sinceridade e se é capaz de resistir à tentação de fazer meramente o que o talento fácil pode proporcionar. Em resumo, depende de quanta proeza, sacrifício e renúncia seja capaz. É duvidoso que o mundo lhe retribua e lhe agradeça por tudo isso. Se não está possuído pela ideia, se não prefere sucumbir em seguida antes de renunciar à literatura, ponha um fim nisso.”
Há uma ideia muito poderosa nessa resposta de Hesse ao jovem aspirante a escritor, dois ingredientes necessários para qualquer empresa que desejarmos administrar:
Devemos ser realistas como nossos dons ou talentos. Cada ser humano serve para muitas coisas, mas ninguém alcançará a excelência em tudo o que se propõe, por mais que o deseje. Devemos investir forças naquilo em que podemos brilhar. Talento sem sacrifício é inútil. Embora sirvamos para alguma coisa, é necessário empreender todo o entusiasmo de uma vida e superar muitas dificuldades para alcançarmos um grande objetivo.
14 – O pássaro rompe a casca. O ovo é o mundo. Aquele que quiser nascer tem que romper um mundo.
Em muitas culturas existe um ritual de passagem ou de iniciação entre a infância e a idade adulta. Nossa cultura foi perdendo esse rito de passagem tão necessário, embora restem elementos que continuam sendo praticados em alguns ambientes.
Durante muito tempo, a entrada na vida adulta era precedida de uma prova, de uma demonstração da maturidade. Nas tribos aborígines, é natural abandonar um jovem na floresta e obrigá-lo a passar alguns dias lá sozinho, para que cuide de si mesmo. Se cumprir o desafio e demonstrar que enfrentou o medo e a solidão, ele prova que pode enfrentar a vida real sem necessidade de ajuda e está pronto para se tornar um adulto.
Por outro lado, se o jovem volta correndo, aterrorizado, significa que ainda não está preparado para deixar a infância. Sair pela primeira vez para caçar também é uma maneira de enfrentar a vida real. O menino deve abandonar sua inocência para se tornar homem. Esses ritos implicam sempre desprender-se do eu anterior para deixar que o novo eu nasça.
Há uma cena em Sidarta que também ilustra o que é um rito de passagem, uma maneira de abandonar a antiga existência para abraçar uma nova. Depois de conhecer os prazeres mundanos, desesperado por ter se perdido de si mesmo, Sidarta planeja suicidar-se. E é aí que tem uma revelação. De repente se sente novamente vivo. Descobre que devia morrer para voltar a nascer, matar seu antigo eu, sua antiga vida, para poder iniciar uma nova – porque é quando deixamos morrer nossas etapas anteriores que somos capazes de compreendê-las, de olhá-las com outros olhos e obter conhecimento a partir delas.
Sidarta percebe que, apesar de haver se perdido, de quase ter morrido, seu pássaro cantor segue gorjeando. Essa voz anterior representada pela ave lhe permite descobrir que pôde desprender-se de sua antiga vida. Esse mesmo pássaro estimula Demian, em outro romance de Hesse, a romper a casca, a abandonar a vida que levou e começar uma nova.
Ao matar simbolicamente nossa vida passada, deixamos para trás tudo o que éramos até então, embora carreguemos o que aprendemos. Renascemos em um novo mundo que se abre diante de nós não só com a sabedoria do que foi vivido, mas também com ignorância, com vazios que nos permitem descobrir o novo e nos conhecermos.
Nietzsche disse que devemos morrer várias vezes em uma vida. Ao longo de nossa existência, caminhamos, avançamos e escolhemos, e escolher é sempre deixar algo para trás, desprender-se de alguma parte de si mesmo. Eliminar etapas é uma forma de matá-las, de morrer para renascer diante de um novo desafio. Romper a casca é romper uma camada do mundo que nos rodeia.
Em suma, como a ave que quebra o ovo depois de ter se desenvolvido o suficiente, crescer é transformar-se de dentro para fora. Pensar é romper. É pensar por si mesmo. Por isso, é preciso romper a casca, desfazer-se de toda ideia planejada para viver a própria vida.
Merlin disse no filme Excalibur: “Olhar um bolo é como olhar o futuro: até que o provemos, o que na verdade sabemos dele? Depois, já é muito tarde.”
Se não nos atrevermos a provar o bolo, como saberemos o que nos espera? Como saberemos se é isso o que queremos? É preciso romper a casca e atrever-se a viver.
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