quarta-feira, dezembro 03, 2014

HERMANN HESSE PARA OS DESORIENTADOS - PARTE 11 E 12


11 – Às vezes os inimigos são mais úteis que os amigos, pois os moinhos não giram sem vento.

Aristófanes dizia que “os homens sábios aprendem muito com seus inimigos”. As pessoas que nos irritam profundamente são uma valiosa fonte de sabedoria, já que ressaltam nossos pontos fracos e nos servem de espelho.
Sobre isso, o Dalai Lama assegura que “nosso inimigo é nosso melhor mestre. Ao estar com um mestre, podemos aprender a importância da paciência, o controle, a tolerância, mas não temos oportunidade real de praticá-los. A verdadeira prática surge ao nos depararmos com um inimigo”.
Nas artes marciais, afirma-se que o ataque do adversário pode ser usado em nosso benefício se canalizarmos seu impulso na direção adequada. Além disso, sua força tem a vantagem de nos obrigar a entrar em ação, a abandonar a inércia, para tomar decisões.
O inimigo faz com que nos movamos e saiamos da situação de comodidade que nos tinha paralisado. Ele nos obriga a extrair o melhor de nós mesmos, e também o pior. Se somos capazes de ver nossas próprias reações com distanciamento e um pouco de humor, em cada conflito aprendemos uma grande lição sobre quem somos e quais são nossas carências.
No livro Sidarta, Govinda, o amigo do protagonista, segue todos os passos de seu companheiro, tornando-se a sombra de Sidarta. Não o provoca, não o estimula a pensar por si mesmo, porque também não é capaz de pensar com sua própria cabeça.
Por isso, Sidarta finalmente caminha em busca da sabedoria. Ter relações exclusivamente harmônicas gera uma inércia que pode ser paralisante, pois não necessitamos buscar coisas novas nem nos vemos obrigados a rever nossas convicções. Nós nos limitamos a seguir o caminho de sempre.
Para nos desenvolvermos intelectual e emocionalmente necessitamos reagir, testar a nós mesmos, mudar de perspectiva, sofrer. Em suma: aprender. Como nas artes marciais, para conseguir isso é necessário que alguém nos coloque em ação.
Quando as coisas ao nosso redor não vão bem, quando não estamos satisfeitos com a nossa vida, essa contrariedade, essa força negativa que afeta nossa estabilidade e atua como um inimigo deve ser utilizada como motor para a mudança.
Todo conflito revela o que não funciona e nos permite acender a faísca da criatividade. Sem alguém ou algo que nos desafie, essa faísca seria apagada. Por isso, devemos agradecer aos obstáculos e aos inimigos, como sugere o Dalai Lama, porque graças a eles podemos crescer e subir um degrau em nosso caminho de evolução pessoal.

 12 – A vida de cada homem é um caminho em direção a si mesmo, o ensaio de um caminho, o esboço de um rumo.

Toda existência é uma trilha a ser percorrida por cada pessoa. Ninguém pode fazer isso por nós, porque o caminho não está marcado no mapa; nós o construímos pouco a pouco, passo a passo, com nossas decisões e ações.
Antônio Machado escreveu estes célebres versos sobre a forma como a vida se desenrola:
Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais.
Caminhante, não há caminho senão rastros no mar.
À medida que desenhamos nossa vida, nosso trajeto vai se apagando – devemos deixar o passado para trás –, porque o essencial é avançar, como o barco que deixa seu rastro entre as ondas. Se a embarcação para, o rastro desaparece. Nesse caso, viveríamos uma existência sem rumo.
O caminho da vida está cheio de mistérios, luzes e sombras. Não obstante, como dizia Sidarta, o maior mistério é descobrir quem somos nós próprios.
No romance Demian, lemos: “Nenhum chegou a ser ele mesmo por completo; entretanto, cada um aspira a sê-lo, alguns às cegas, outros com mais facilidade, cada um como pode.”
Além de buscar o amor, o sucesso, a realização e o bem-estar, para que nossa experiência como seres humanos seja completa devemos nos encontrar traçando nosso próprio caminho.
Porém, estamos tão acostumados a que nos indiquem o caminho, nos marquem os pontos a seguir, nos digam “é por aqui”, que traçar um rumo particular pode nos deixar inseguros.
Faz-se a estrada ao andar e vive-se a vida ao vivê-la, não ao contemplá-la. Se nossa experiência se transforma em algo passivo, que outros estabelecem por nós, nunca conheceremos a liberdade de ser quem realmente somos nem os benefícios da peregrinação ao nosso verdadeiro eu. Não deixaremos nem sequer um rastro próprio, porque iremos atrás da outra pessoa e o rastro dela será o nosso.
Por isso é necessário traçar nossa rota, errar, corrigir, sentir medo e superá-lo. Conheceremos a nós mesmos a cada passo, descobriremos nossos sonhos, nossas motivações. E assim teremos a satisfação de criar nossa própria vida.
Peregrinar em direção a si mesmo significa enfrentar sozinho as próprias contradições. É provável que erremos o traçado, que a trilha se bifurque ou se perca por uma zona pantanosa. Isso muitas vezes nos assusta e nos paralisa. Mas, se soubermos escutar nossa voz interior, encontraremos novamente nosso caminho em meio à névoa.
O antropólogo Carlos Castaneda dizia que, quando nos encontramos diante de uma encruzilhada, escolhemos o caminho que “tem coração”, isto é, o que instintivamente sabemos ser o correto.
Em certas ocasiões ficamos em silêncio, imóveis, porque não sabemos o que fazer com nossas vidas. Isso acontece, por exemplo, quando vivemos uma crise emocional, um rompimento amoroso, o fim de uma etapa ou a demissão de um emprego; são situações que alteram o rumo de nossa vida e provocam uma pausa em algum processo.
O importante é não deixar parar o motor, não ficarmos na sarjeta, indecisos, sem saber o que fazer. É preciso enfrentar as situações sem se afundar nelas. Nos momentos de crise somos capazes de ver possibilidades que antes nos pareciam invisíveis. Se tomamos decisões equivocadas para chegar até aqui, não podemos apagar o caminho já percorrido, mas sempre temos tempo de fazer uma curva que nos coloque de volta na trilha de nossos sonhos.

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