67 – Quando a pessoa está apaixonada, começa por enganar a si mesma e acaba enganando os outros. Isso é o que o mundo chama de romance.
Para muita gente, o amor é uma aposta: tudo ou nada. Quem joga assim está equivocado. E no eixo desses enganos gira um bom número de obras literárias. Dom Quixote dedicava cada uma de suas façanhas a Dulcineia, uma pobre camponesa que ele havia idealizado, mas com quem nunca chegou a se casar; outros personagens mais sinistros, como o protagonista de O vermelho e o negro, de Stendhal, fingem estar apaixonados porque com isso esperam obter poder e dinheiro.
Os filósofos orientais nos aconselham a ver o amor como um jardim que deve ser cultivado todos os dias, seja inverno ou verão. Sua forma de entender o amor é muito semelhante a ver uma planta crescer.
Já nós, ocidentais, preferimos histórias mais intensas e, se possível, dramáticas: os amores impossíveis de Romeu e Julieta ou as paixões aflitivas de O morro dos ventos uivantes.
Mas certamente o amor, o verdadeiro amor, é uma história ainda sem registros. Os romancistas ocidentais o transformam em um espetáculo público e os “jardineiros” orientais, em uma experiência íntima. Uns o vivem de forma breve e intensa, às vezes trágica até, ao passo que outros se conformam em vivê-lo de maneira suave e plena. Cabe a cada pessoa escolher qual é a melhor opção para si.
68 – O que nos absolve é a confissão, não o padre.
No fim de sua vida, Oscar Wilde foi rejeitado pela sociedade e levado a julgamento, acusado de manter relações homossexuais com um jovem. Enganado por ele e mandado para a prisão, em 1897 lhe escreveu uma das cartas mais bonitas da história moderna.
Publicado sob o título De profundis, o texto assim se dirige ao jovem:
Ainda estou muito longe do verdadeiro caráter da alma, como demonstra claramente esta carta, com seu espírito vacilante e incerto, seu sarcasmo e sua amargura, seus propósitos e sua incapacidade de cumpri-los, mas não se esqueça da terrível escola em que faço minha aprendizagem. Mesmo sendo eu incompleto e imperfeito, de mim você ainda tem muito a receber. Veio a mim para aprender os prazeres da vida e da arte. Talvez me tenha sido dada a chance de lhe ensinar algo muito mais maravilhoso: o sentido da dor e sua beleza.
Encontrar um sentido para a dor é, segundo a logoterapia, um bálsamo para a própria dor. Se, além disso, soubermos revestir de beleza essa consciência, então transformaremos cada momento difícil em uma experiência sensível e enriquecedora.
69 – Gosto de escutar a mim mesmo. É um dos meus maiores prazeres.
Converso comigo com frequência e sou tão inteligente que às vezes não entendo uma só palavra do que digo. o escritor hondurenho Augusto Monterroso dizia que, para saber o que pensava, tinha que escrever. Já o filósofo austríaco (depois naturalizado britânico) Ludwig Wittgenstein acreditava que, apesar de ser fácil saber o que dizemos, seria difícil explicar por que o dizemos. Poderíamos situar Oscar Wilde entre os dois. Ele sabia escolher as palavras apropriadas, embora nem sempre as utilizasse para fins práticos. Foi um apaixonado pela beleza e teve um trágico fim, rechaçado pela sociedade e condenado à prisão. Em sua obra, soube contar com graciosidade até as histórias mais sinistras, como a de Dorian Gray, mas também soube jogar com as palavras, provocando mal-entendidos e escândalos quando atacava os costumes estabelecidos e defendia os hábitos incomuns.
Graças à beleza indiscutível de sua alma e à sua grande inteligência, até hoje o consideramos um gênio. Em seus textos, não só percebemos como a combinação de palavras pode ser bela, como também nos damos conta de que o pensamento só é livre quando não carrega o peso dos lugares-comuns e das visões preestabelecidas.
Às vezes, não entender nada – nem mesmo as próprias palavras – é o mais sensato ante o absurdo de certas situações.
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