quinta-feira, janeiro 20, 2011

ARTIGO DA REVISTA NOVA ESCOLA - ONDE ESTÁ O PEDAGÓGICO???

Onde está o pedagógico? 


Diretores ainda deixam a GESTÃO DA APRENDIZAGEM em segundo plano

Paola Gentile



As duas pesquisas encomendadas pela Fundação Victor Civita  trazem importantes revelações sobre o dia a dia de diretores escolares, mas o resultado mais importante (e preocupante) é justamente o que não aparece na fala dos entrevistados e na prática das escolas visitadas: a falta de foco no pedagógico. A preocupação com a aprendizagem dos alunos até aparece no discurso, mas o empenho e a dedicação a esse aspecto essencial da vida escolar são muito menores do que o mínimo desejado. O que se vê é uma boa intenção, que se dilui na rotina, dominada por atividades burocráticas, e administrativas e no atendimento de emergências (tanto no relacionamento com a comunidade como em questões de infraestrutura).

Segundo a pesquisa realizada pelo Ibope, 90% dos diretores dizem que sua principal preocupação cotidiana é a merenda. Em seguida, vêm questões como a falta de material pedagógico (63%), as condições do mobiliário (58%) e as questões administrativas e burocráticas (45%).

As reuniões com o coordenador pedagógico para discutir a formação de professores ou os resultados das provas são realizadas apenas uma vez por semana para 40% dos diretores e (acredite se quiser) uma única vez por mês em 38% dos casos - e, o que é ainda mais aterrador, 77% dos diretores estão satisfeitos com essa periodicidade. Questionados diretamente sobre essa questão, apenas 8% afirmaram sugerir ações para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Qual é o papel que esses diretores acreditam desempenhar em sua escola?

O papel da escola 
Questões relacionadas à melhoria da infraestrutura e à organização da escola como um todo são básicas e certamente importantes, tanto que o estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas mostra que os gestores que fazem esse mínimo já conseguem um pequeno diferencial no desempenho dos alunos. Porém isso está muito longe do suficiente.

Para fazer uma gestão focada na melhoria da aprendizagem, é necessário ter bastante clareza sobre os propósitos educativos da escola - este é o verdadeiro papel social da escola: ENSINAR . Se você está à frente de uma instituição de Educação Infantil, é essencial saber quais os cuidados as crianças demandam para se desenvolver e o que elas precisam aprender para construir sua autonomia e adquirir o conhecimento do mundo. Se o trabalho é com alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, é crucial conhecer o que eles têm de aprender em cada série e disciplina e ter clareza sobre os objetivos dos diversos conteúdos, sejam eles curriculares, procedimentais ou atitudinais.

"Para fazer uma gestão focada na melhoria 
da aprendizagem, é essencial ter clareza 
sobre os propósitos educativos da escola."
Tudo isso deve estar previsto no Projeto Político Pedagógico, documento que precisa ser construído juntamente com toda a comunidade (interna e externa) e tem como função especificar os objetivos em termos de formação do alunado. Só com a definição de aonde se quer chegar a equipe consegue projetar as ações ao longo do ano letivo - e o diretor pode definir quem assume a responsabilidade pelo acompanhamento e pela execução de cada projeto e lutar para garantir as condições necessárias para que eles se concretizem. Infelizmente, não é isso o que se vê nas redes públicas brasileiras.

O trabalho do bom gestor aparece quando ele coordena uma análise eficaz da situação da escola e organiza o que é preciso fazer para que ela atinja seus objetivos. Essa visão integradora (ou sistêmica) permite pensar em mudanças e mobilizar os envolvidos. Assim, se uma das metas é alfabetizar todos os alunos até o fim do 1º ano, o passo inicial é saber se os professores têm formação? Da mesma forma, cabe ao diretor entender se o coordenador pedagógico dispõe de um acervo de projetos e sequências didáticas para trabalhar com o corpo docente nos horários de trabalho coletivo. O mesmo vale para o material: ele é suficiente e de qualidade? O espaço está organizado para inserir os pequenos na cultura letrada? Se a escola não faz esse questionamento, não mobiliza conhecimentos da gestão da aprendizagem e da infraestrutura.

Basta de apagar incêndios 
Para manter certo distanciamento dos problemas - afastamento apenas suficiente para analisar melhor a situação e propor soluções, nunca para fugir da raia -, é essencial escapar de uma armadilha que diariamente se coloca no caminho de qualquer diretor: as emergências. Sim, é papel do gestor encontrar solução para a falta de professores e de material pedagógico ou ingredientes para a merenda, bem como para os pais que aparecem sem hora marcada. Mas é fácil perceber que esses e outros incêndios pipocam por falta de planejamento, de cultura de trabalho em equipe e de delegação de tarefas. Afinal, não é difícil ter um plano B para quando um docente se ausenta - ou reservar um dia da semana para receber as famílias, sempre com hora marcada, para evitar desgastes de parte a parte.

Ao agir assim, sobra tempo para supervisionar as diversas áreas e, conhecendo-as melhor, relacioná-las diretamente à função primordial da escola: como já foi dito, garantir que todos os alunos aprendam. Sempre, é claro, contando com a ajuda da equipe: juntamente com o coordenador, buscar alternativas para melhor formar a equipe docente; ao lado do Orientador Educacional, correr atrás de soluções para integrar os estudantes com algum problema que afete seu desempenho; e, no trabalho com o Supervisor da Secretaria de Educação, utilizar as soluções oferecidas pela rede ou pressionar para que as políticas públicas sejam voltadas para a resolução das questões educacionais mais prementes.

Já é consenso que a atuação do diretor é um dos fatores que mais influenciam a aprendizagem. Mas ainda há poucas pesquisas menos focadas em dados estatísticos do que na análise e no aprofundamento das experiências reais de escolas - como é o caso das Práticas Comuns dos Diretores Eficazes, da FVC, e de um estudo que está sendo conduzido pelo Ministério da Educação e pelo Banco Mundial, intitulado Melhores Práticas em Escolas Efetivas de Ensino Médio, que deve ser divulgado nos próximos meses. Eles lançam luzes sobre a realidade de nossa Educação e, assim, ajudam a mostrar aos profissionais que ocupam essa função tão importante (ou apenas estão começando no cargo) por que é imprescindível refletir e planejar mais - e experimentar menos.

90% dos diretores citam a merenda 
como a principal preocupação diária e
apenas 8%declaram sugerir ações
 pedagógicas para melhorar 
a qualidade do ensino e da aprendizagem.


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