quarta-feira, agosto 13, 2014

KAFKA PARA SOBRECARREGADOS - DE ALLAN PERCY - PARTE 99

99 – A 


99- A partir de certo ponto não há retorno. Esse é o ponto que é preciso alcançar.
Qual é o ponto em que não há retorno? É esse momento crucial em que sentimos que demos um passo que será definitivo, em um sentido ou em outro, para nossa história.
Como um viajante que, após uma longa espera, finalmente sente que o trem se põe em marcha e deixa para trás tudo de bom ou de mau que viveu, a existência é uma viagem de uma única direção: PARA A FRENTE.
Não podemos retornar ao passado, quando muito podemos evocá-lo com a mente para entender os caminhos que tomamos. O que fizemos corretamente fica como nossa herança. E aquilo que fizemos de errado já não pode ser desfeito. A poeira do tempo irá cobri-lo até apagar seu rastro.
A única coisa que temos é o trajeto da vida, uma viagem felizmente sem retorno, já que, assim, somos obrigados a tomar decisões corajosas. Encerraremos esta viagem pelas inspirações kafkianas com uma lúcida citação de Mae West, atriz cujo início no cinema coincidiu com o fim de Kafka, em 1924:
“Só se vive uma vez, mas, se você o faz bem, uma vez é suficiente.”

Olá! Chegamos hoje ao fim das 99 pérolas diárias de Franz Kafka, revistas por Allan Percy.
Em anexo está o arquivo completo que você recebeu nesses últimos 99 dias. Abaixo tem o anexo, onde se conta muitas curiosidades sobre o incrível Franz Kafka.
Amanhã começa uma nova jornada. Desta vez será Nietzsche para estressados.
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Aguardo teu retorno!
Um beijo!



Anexo

Cidadão Kafka

Franz Kafka nasceu em Praga, no seio de uma família judia, em 1883. Foi o único homem sobrevivente de uma prole em que os outros cinco irmãos, dois meninos e três meninas, morreram prematuramente. Georg e Heinrich adoeceram quando ainda eram bebês, e as três irmãs, Gabrielle, Valerie e Ottilie, foram assassinadas em Auschwitz.
O fato de ser o único homem da família significou para Franz viver sob insuportável e constante pressão, pois Hermann, seu pai, atacadista que fornecia artigos domésticos a pequenas lojas do interior, descarregaria no filho todas as suas frustrações.
Frequentemente, Hermann Kafka lembrava o filho do esforço que teve de fazer para sair da extrema pobreza em que fora criado para dar à família tudo de que necessitava.
Por sua vez, Julie Löwy, mãe de Franz, era uma mulher submissa que vivia à sombra do marido.
Franz herdou dela a suscetibilidade, o senso de justiça e a inquietude, características que o tornavam ainda mais vulnerável e que, por isso mesmo, se chocavam de forma mais clara com a personalidade opressora da figura paterna. Kafka descrevia-se como uma pessoa extraordinariamente insegura, convicção que levou por toda a vida. Seu complexo de inferioridade o impediu, entre outras coisas, de emancipar-se do laço familiar durante praticamente toda a sua existência.
Sua infância foi marcada por uma educação severa em que a solidão e a disciplina das escolas em que estudou foram seus principais inimigos. Educado por governantas e colégios rígidos em que a criatividade não tinha espaço, Franz passou a infância com poucos amigos.
Mais tarde, Kafka recordaria sua infância e juventude como uma época marcada pela insegurança e por uma grande sensação de vazio. Os outros alunos o viam como alguém discreto que parecia viver em um mundo paralelo. Apesar de na escola as aulas serem inteiramente em alemão, Franz foi um aluno brilhante em uma matéria que lhe despertava especial interesse: línguas. Aprendeu língua e cultura tchecas, francês, inglês e italiano, e já quase no fim da vida se aventurou a estudar hebraico.
Apesar de sua discrição, em seus anos de estudante sempre usava uma flor vermelha na lapela, se declarava socialista convicto e fugia de qualquer discurso patriótico; além disso, era cerca de um palmo mais alto que a maioria de seus companheiros, detalhes que não o deixavam passar despercebido.
Assim que terminou a escola e antes de começar os estudos de Direito, Franz mudou várias vezes de faculdade. Suas constantes dúvidas fizeram com que abandonasse, em mais de uma ocasião, o curso em que estava matriculado para se dedicar a outro completamente diferente. Passou pelas faculdades de Filosofia, Química, História da Arte e Filologia Alemã.
Finalmente, e devido à insatisfação de seu pai, decidiu-se pelo curso de Direito, no qual, após muito esforço, obteve o doutorado com uma nota medíocre. O próprio Franz, mais adiante, definiria esse período como uma fase em que tivera de “alimentar-se intelectualmente de autêntica serragem”.
Sua frustração aumentava pelo fato de topar com constantes impedimentos para o trabalho artístico que desenvolvia paralelamente. As crises familiares originadas por discussões com seu pai o levaram a pensar em suicídio diversas vezes, mas suas eternas dúvidas e a incapacidade de tomar decisões mais uma vez o impediram de levar a cabo suas vontades mais profundas.
Apesar disso, Franz sentia necessidade de continuar escrevendo. Com sérias dificuldades para fazê-lo, porque o barulho que havia na casa o impedia de se concentrar, passou a trancar-se no quarto e dedicar-se à literatura à noite, frequentemente indo dormir apenas após as três da madrugada.
Quando por fim terminou a faculdade, começou a fazer o estágio obrigatório num escritório de advocacia para ingressar no serviço público.
Após meio ano, desistiu desse caminho, porque almejava trabalhar em outro país, em um lugar onde, como dizia, a paisagem de sua janela não se parecesse em nada com aquilo que odiava. Mas Franz ficou em Praga e arranjou emprego em uma empresa de seguros que lhe permitia dar continuidade à sua ambição literária, graças a um horário flexível que lhe deixava as tardes livres.
Foi nos primeiros anos de advocacia que ele começou a participar ativamente das assembleias de um grupo social-revolucionário, tendo sido detido em certa ocasião por ter assistido a manifestações ilegais. Seus escritos começavam as ser publicados na revista Hyperion.
Graças ao novo emprego, Kafka começou a ganhar dinheiro e pôde saciar sua sede de viajar. Apesar da turbulenta época em que vivia, viajou diversas vezes dentro dos limites da Europa, em geral com seu amigo Max Brod e, em algumas ocasiões, com o irmão deste, Otto. Conheceu a Itália, a Suíça, a França e a Alemanha. A partir de então aproveitaria as férias ou qualquer oportunidade para descobrir cidades europeias ou voltar a algumas das que já havia visitado anteriormente.
Quando Kafka estava com 29 anos, três de suas obras foram publicadas: O foguistaA metamorfose A sentença. Foi então que ele conheceu a primeira de suas noivas: Felice Bauer. Até então, sua relação com as mulheres havia sido muito complicada. Seu conhecimento do sexo feminino era limitado à visita a prostíbulos, aonde ia não somente em busca de favores sexuais. A busca de proteção e de uma oportunidade de se ausentar da angustiante influência paterna eram, para Franz, motivos suficientes para ser um frequentador assíduo desses lugares.
Ele e Felice mantiveram uma relação epistolar que durou seis anos. Ficaram noivos duas vezes, mas Franz sempre teve dúvidas sobre o futuro do relacionamento. Preocupava-lhe o fato de não poder abandonar o trabalho para dedicar-se unicamente à literatura, caso mudasse de estado civil.
Da segunda vez que as dúvidas o assaltaram, ele pôde evitar o desconforto de comunicar à noiva sua decisão, pois havia começado a sofrer os primeiros sintomas de uma tuberculose que o levaria à morte poucos anos depois.
Era justamente por causa da doença que Franz se permitia tirar férias com frequência, para tentar se recuperar.
Entre suas outras relações amorosas, a que teve com Julie, filha de um sapateiro de Praga, sem dúvida foi a mais curta. Ele terminou a relação logo depois de ter se arrependido de ter pedido a mão da moça.
Durante uma das diversas licenças de trabalho tiradas por Franz em razão da tuberculose, começou novamente a se corresponder com uma jovem chamada Milena Jesenska, uma jornalista tcheca que vivia em Viena e que ele conhecera num café em Praga.
Milena era casada, mas isso não os impediu de manter uma estreita relação por correspondência. A profunda amizade se manteve durante anos, apesar da impossibilidade.
A sensível Milena foi levada para o campo de concentração de Ravensbrück, onde acabaria morrendo.
O estado de saúde de Franz começou a piorar, e a volta à empresa em que trabalhava era inviável. Foi-lhe concedida a aposentadoria aos 39 anos de idade.
Nos momentos finais de sua vida, em uma de suas viagens ao Báltico, conheceu aquela que seria seu último grande amor. Aos 40 anos e profundamente enfraquecido pela doença, Franz voltou a se apaixonar. A moça, de 19 anos, chamava-se Dora Diamant e era uma judia berlinense. Apesar de seu terrível sofrimento, e pela primeira vez em sua existência, Kafka realizou o sonho de deixar Praga para ficar ao lado da noiva. Ele era agora um homem feliz que finalmente tinha conseguido afastar-se da pressão familiar. Junto com Dora, pensou em várias opções para viverem tranquilamente, entre as quais a de morar em Tel Aviv e abrir um restaurante, pois eram tempos difíceis para os judeus e a sobrevivência em Berlim seria complicada para o casal.
Apesar da grande esperança de ambos, nunca chegaram a realizar seus desejos. Quando Kafka procurou o pai de Dora para lhe pedir a mão da jovem, a resposta foi negativa. O pai da moça consultara um rabino, que lhe aconselhou a não entregar a filha a um escritor enfermo e muito mais velho que ela.
Franz sofreu sua pior decepção e deixou de lutar pela vida. Havia começado a morrer. Dora contaria mais tarde que, todas as noites, pousava na janela do quarto do doente o pássaro da morte: uma coruja o observava enquanto Kafka se consumia lentamente. A doença já o impedia de falar, e ele quase não conseguia comer.
Em uma tentativa desesperada de prolongar-lhe a vida, Dora o transferiu para um sanatório de Praga, mas Franz já não podia suportar a dor. Depois de pedir por escrito a seu médico que o deixasse morrer, Franz faleceu aos 41 anos. Franz Kafka escreveu um testamento em que pedia ao grande amigo Max Brod, responsável pela custórdia da maioria de seus escritos, que os destruísse. Mais uma vez, sua vontade não foi respeitada.
Apesar do grande apreço que seu amigo sentia por ele, sabia que, se realizasse a vontade de Franz, deixaria a humanidade órfã de um importante legado.

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