sábado, outubro 04, 2014

NIETZSCH PARA ESTRESSADOS DE ALLAN PERCY - PARTE 48 E 49


48 – Amigos deveriam ser mestres em adivinhar e calar: não se deve querer saber tudo

Como a verdadeira amizade se fundamenta na admiração e no respeito mútuos, as palavras de Nietzsche destacam a discrição como uma característica necessária entre amigos.
Grandes vínculos se quebraram pela insistência de uma das partes em fiscalizar a outra. No momento em que deixamos de ser companheiros para assumir um papel paternalista, algo se rompe na amizade. A naturalidade dá lugar à dominação e se estabelece um jogo de poder que não beneficia em nada a relação.
No âmbito das confidências, é importante que cada indivíduo tenha a liberdade de decidir quanta intimidade quer compartir com os demais. Ultrapassar esse limite nos transforma em invasores e pode acabar causando desentendimentos.
Um pensamento do escritor e filósofo Albert Camus, que curiosamente também é atribuído a Maimônides, reflete muito bem sobre o segredo da amizade:
Não caminhe na minha frente, porque talvez eu não possa segui-lo. Não caminhe atrás de mim, porque talvez eu não possa guiá-lo. Caminhe ao meu lado e seremos amigos.
49 – Usar as mesmas palavras não é garantia de entendimento. É preciso ter experiências em comum com alguém

Há um trecho no romance Amor em minúscula, de Francesc Miralles, que fala da impossibilidade de compartilhar verdadeiramente uma experiência:
Imagine que vou fazer uma longa viagem, sem saber quando volto, e você vai até a estação de trem para se despedir de mim.
Se depois nos comunicarmos por carta ou telefone e nos lembrarmos da despedida, não estaremos falando da mesma coisa, mesmo que imaginemos que sim. A minha lembrança e a sua serão diferentes, isso quando não forem exatamente opostas.
Você se lembra de um homem que se afasta em um trem e que acena da janela. Mas eu me lembro de um homem imóvel em uma plataforma e de que ele ficava cada vez menor. É a única coisa que podemos compartilhar: a sensação do outro ficando menor. Trata-se de algo que encontra eco em nossas emoções.
Quando nos distanciamos fisicamente de alguém, sua presença no inconsciente se reduz progressivamente. Talvez, nesse sentido, o que acontece no nível óptico seja mera preparação para o que acontecerá na mente. Mas voltemos ao início: a experiência nunca pode ser compartilhada. Ela é servida sempre em frascos individuais.

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