21 – Nada faz tão bem nos momentos difíceis quanto se entregar à natureza, não de forma passiva, mas de forma criativa.
A natureza nos acolhe sem fazer perguntas, sem nos julgar, e isso nos devolve a tranquilidade perdida e nos conecta com nosso centro espiritual. Há pessoas que vão ao rio para ouvir o som da água, porque dizem que isso as relaxa; outras vão caminhar no campo para esvaziar a mente das preocupações cotidianas ou se permitem apenas ficar em silêncio com pensamentos mais elevados sobre sua existência.
Todo ser humano precisa retomar essa tranquilidade essencial, sair do mundo por alguns instantes e estar a sós consigo mesmo, confortado pela natureza. Também se pode entrar em contato com ela através do diálogo criativo. Por exemplo, por meio da jardinagem, uma atividade a que o próprio Hesse se entregou de corpo e alma durante boa parte da vida.
A jardinagem é uma terapia muito poderosa para reduzir o estresse e a ansiedade. Em alguns centros de tratamento recomendam o cultivo da terra para pessoas com deficiência ou em processo de reabilitação.
Ao cuidar do jardim, detemos o pensamento enquanto nossa atenção é voltada para a vida que se desenvolve diante dos nossos olhos. Aprendemos sobre as plantas, entramos em comunhão com elas e assumimos seu ritmo, sem exigências nem expectativas.
Há estudos que indicam que o cuidado com as plantas eleva a autoestima, favorece o relaxamento e, sem dúvida, ajuda a obter um tônus físico melhor, tanto pelo exercício suave como pelo fato de estar ao ar livre.
Por outro lado, cuidar de algo que não seja nós mesmos traz um grande benefício espiritual. Ajudamos a natureza a prosperar e de algum modo crescemos com ela, já que nos concentramos em um objetivo pequeno, concreto, onde a observação, e não a ação, é o mais importante.
As plantas têm o seu ritmo, e a pessoa que cuida delas aprende a respeitá-lo e a integrá-lo em sua vida. Há muito o que aprender com um jardim em crescimento, pois seu estado e os cuidados que lhe dispensamos são um reflexo de nosso jardim interior. Talvez a lição seja simples assim: quem é capaz de cuidar de seu jardim também pode cuidar de si mesmo.
22 – Para além dos opostos que compõem nosso mundo começam novos tipos de conhecimento.
Um personagem emblemático de Demian, o misterioso Pistorius, é reflexo de um discípulo de C. G. Jung que visitou Hesse quando ele concebia o romance. Este organista interpreta os sonhos e transmite alguns ensinamentos em que ressoa a teoria junguiana dos arquétipos:
“Cada um de nós contém o ser total do mundo, e, do mesmo modo que nosso corpo integra toda a trajetória da evolução, até o peixe e muito antes, levamos também na alma tudo o que desde o princípio viveu na alma dos homens. Todos os deuses e todos os demônios que já existiram, seja entre os gregos, os chineses ou os cafres, todos estão conosco, estão presentes, como possibilidades, desejos ou caminhos. Se toda a humanidade morresse com a única exceção de uma criança com capacidade intelectual mediana, esta criança sobrevivente voltaria a encontrar o curso das coisas e poderia criar tudo outra vez: deuses, demônios e paraísos, mandamentos e interdições, antigos e novos testamentos.”
Essa memória ancestral é que faz com que haja elementos comuns em todas as culturas, até mesmo nas que não tiveram contato entre si.
Do ponto de vista cotidiano, uma boa notícia: a memória coletiva é muito mais algo que nos une aos outros do que algo que nos separa. Saber que um suposto inimigo hospeda o mesmo inconsciente de sonhos e arquétipos que nós é um convite a rompermos a crosta dos mal-entendidos e darmos um passo rumo ao entendimento.
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