segunda-feira, junho 30, 2014

KAFKA PARA SOBRECARREGADOS - DE ALLAN PERCY - PARTE 47 E 48



47 – Ninguém que creia de verdade viverá milagres. De dia não se veem as estrelas.
Esta frase ambígua de Kafka faz referência às maravilhas cotidianas que nos cercam, mas que geralmente não somos capazes de enxergar. Em um de seus cadernos com fragmentos de reflexões, o próprio autor afirma:
É perfeitamente imaginável que o esplendor da vida esteja disponível, sempre, em toda a plenitude, ao redor de cada um, mas coberto por um véu, nas profundezas, invisível, muito longe. No entanto ele está aí, não hostil, não a contragosto, não surdo; ele vem se o chamamos pela palavra certa, pelo nome correto. Ele é a essência da magia, que não cria, mas chama.
Segundo esse texto de Kafka, o segredo para tornar visível o invisível é chamá-lo pela “palavra certa”, ou seja, verbalizar as dádivas cotidianas que com frequência nos passam despercebidas.
Podemos fazê-lo através de um diário ou de um blog, em que registramos os pequenos milagres que vivemos no dia a dia, como por exemplo:
• A descoberta de um poema ou de uma canção que traga algo diferente à nossa vida.
• A lembrança de algo que há muito esteve longe de nossa consciência.
• O preparo de uma nova e deliciosa receita.
• O reencontro com alguém que em outra época havida sido importante para nós.

48 – O amor não apresenta mais problemas que um veículo qualquer. Os problemas estão no motorista, nos passageiros e na rua.
Estar apaixonado é uma sensação bela, profunda e ao mesmo tempo vertiginosa. De repente, a pessoa enamorada perde o rumo de sua vida. E talvez seja mesmo esta a função do amor: nos ajudar a nos libertar da realidade demasiadamente cinza e monótona da vida.
Em suas cartas a Milena, Kafka se aprofundou de maneira extraordinária no sonho que vive o ser apaixonado:
E, no entanto, eu mentiria se dissesse que sinto falta da senhora. É o feitiço mais perfeito e mais doloroso. A senhora está aqui, tal como eu e ainda com mais intensidade; ali onde estou, está a senhora, como eu e ainda com mais intensidade. Não estou brincando. Às vezes imagino que a senhora – que está aqui – sente falta de minha presença e pergunta: “Mas onde está? Por acaso não escrevia dizendo que estava em Merano?”
[...] O dia é tão curto. Transcorre e termina com a senhora, e fora da senhora há somente umas poucas insignificâncias. Quase não me sobra tempo para escrever à verdadeira Milena, porque a Milena ainda mais verdadeira esteve aqui o dia todo, no quarto, na sacada, nas nuvens.

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